"Há doenças extravagantes que consistem em querer o que não se tem"
Esta frase pertence a André Gide em seu livro “Os frutos da terra” (1950), prêmio Nobel de Literatura da época. Quando escreveu esse livro, o autor acreditava que morreria brevemente, devido a uma doença da qual estava sofrendo. Tomando como referência essa observação de Gide, e transpondo-a para a questão da construção da pessoa autista, pode-se dizer que, de certa forma, esta é muitas vezes tida como uma pessoa doente por não possuir características que “o outro” espera que possua.
A pessoa autista deveria saber o que o outro espera dele, mas não sabe; deveria corresponder sincronicamente à expectativa do outro, mas não sabe que deveria; deveria reproduzir o que lhe foi ensinado em crenças e valores, mas não reproduz; deveria andar direito, como os outristas andam, mas não conseguem; deveriam se comportar à mesa de acordo com as regras de etiqueta, mas não o fazem; deveriam reproduzir as regras de boas relações no ambiente profissional, mas não entendem as manhas sociais dos outristas...
Disse Gauderer (1993:318):
“Mas a pessoa autista não sabe o que o outro espera dela. Parece que falta à criança autista uma teoria da mente, ou seja, ela tem uma incapacidade de se relacionar adequadamente aos pensamentos e emoções de uma outra pessoa ... e não tem a capacidade normal de ‘juntar’ comportamentos de outras pessoas em benefício próprio”.
Até onde foi observado através da multivocalidade dos discursos que compuseram meu trabalho, a pessoa autista vem sendo concebida como “pessoa que constrange”, por exibir um comportamento socialmente inapropriado. Isto nos remete ao arquétipo do ser incomum e desvalido, análogo ao arquétipo contido na estória do “Patinho Feio”, de Hans C. Anderson, interpretada por Pinkolas (1997:218).
“Na história, as diversas criaturas da comunidade examinam o patinho ‘feio’ e de um modo ou de outro o declaram inaceitável. Na realidade, ele não é feio. Só não combina com os outros. A mãe pata a princípio tenta defender esse patinho, que ela acredita pertencer à sua prole. Afinal, porém, ela fica profundamente dividida em termos emocionais e deixa de se importar com o filhote estranho. Seus irmãos e outros membros da comunidade atacam-no e o atormentam. Sua intenção é a de fazer com que ele fuja. Isso é terrível, especialmente levando-se em conta que ele na realidade não fez nada que justificasse esse tratamento a não ser ... agir um pouco diferente dos outros."
Muitas pessoas exteriorizaram para mim um sentimento não apenas de constrangimento ou vergonha por terem em seu grupo alguém tido como “diferente”, mas também o sentimento de impotência por não terem a expectativa do “alívio do mal” que os aflige, da “cura” e, por outro lado, por não conseguirem abandoná-lo. Tudo isso pode explicar a questão do isolamento social que ocorre também com as famílias desses autistas.
Sacks (1999:283), em seu livro “Um antropólogo em Marte”, afirma que:
“de fato, em alguns autistas esse sentimento de uma diferença radical e inerradicável é tão profundo a ponto de levá-los a ver-se ... quase como membros de outras espécies, e a sentir que o autismo, embora possa ser visto como uma condição médica, e patologizado como uma síndrome, também deve ser encarado como um modo de ser complexo, uma forma de identidade profundamente diferente, de que se deve ter consciência."
"(...)E Dom Quixote lutou bravamente contra os moinhos de vento no intuito de salvar sua princesa Dulcinéia(...)" Que não sejamos como os moinhos de vento que discriminam e agridem socialmente nossos Dom Quixotes, que sejamos como o Sancho Pança, que acredita, confia, acompanha e até sofre com os nossos heróis...
ResponderExcluirque aprendamos a erigir bandeiras e "tomar armas contra um mar de calamidades" para defendê-los. Que possamos aprende a ser gigantes como eles, e quem sabe assim, saiamos da crisálida do mesmismo para ascender ao majestoso vôo dos sonhadores que buscam de forma holística a verdadeira beleza... sem julgamentos, preconceitos ou prisões! A "Ilha da Utopia" existe!!! Porém somente os autistas e os que acreditam neles podem vislumbrar... E ela é linda!!!
um modo complexo e profundo de se analisar a mente, o pensamento, o ser, a vida, o universo;
ResponderExcluirestereótipos, não;
flexibilidade, sim;
comportamentos, relacionamentos e dizeres dependem de cada um diante de si e dos outros;
daí a profundidade dos pensamentos filosóficos e a ajuda desses pensamentos para a religião e a ciência.
Acredito que essa dita "síndrome" seja, futuramente, entendida como um pensamento racional e transcendental diferentes do todo da sociedade.
ResponderExcluirAcredito que é um ser complexo, uma forma de identidade profunda que não se interage com o modelo estereotipado do dia a dia.
Toda a sociedade em todos os tempos tem comportamento, regras, convenções. Por que segui-los de uma maneira convencional ?
Por que naõ se apreciar outras maneiras de comportamento, de pensamento, de ação ?
Uma boa leitura filosófica retratando os grandes pensadores e as diversar formas de "enxergar" a mesma realidade poderão ajudar as duas partes "em conflito": o autista e o outro(a sociedade sob as diversas formas de organização).
Penso: "O mundo é o mesmo para todos, mas as concepções, a consciência o interrelacionamento com esse mundo não é o mesmo para todos.É por isto que dizem que as imagens valem por mil palavras.Afinal, todas essas palavras se referem a uma mesma realidade, a um mesmo mundo ditas por várias pessoas com vários comportamentos, com várias emoções".
Pergunto, então: "O que é a Verdade e a Realidade ?"
Se não sabemos, não podemos inferiorizar ninguém, ter vergonha de ningúem, se constranger com ninguém.
Vamos, Todos, reportar ao Autoconhecimento, ao Mundo Interior.
Faço minhas as suas palavras, belo ser humano vc é. Obrigada por sua presença aqui. Venha sempre.
ResponderExcluir